Medo - Capítulo 1

Este relato é mais verdadeiro que muita promessa de político neste ano de eleições. Uma amiga minha, jornalista, confiou a mim este texto que tomei coragem de publicar. Não é nada divertido, mas surpreende pela explicação que pode dar a diferentes fenômenos que estão acontecendo sob nossos olhos e nunca foram satisfatoriamente explicados. Pra quem já acreditou em tanta estória da Carochinha contada por nossos ilustres detentores do poder público, não é sacrifício algum dar crédito ao relato da minha colega jornalista. Aí vai:
Medo
Capítulo 1
por Funny Cremozy
Venho apurando esta notícia há algum tempo. Só agora tenho a permissão de meus entrevistados para divulgar o assunto. Ainda assim eles pedem para que sejam mantidos no anonimato. O fato é constrangedor, mas acima de tudo assustador. Traz medo e assombro a uma população que já é diariamente aterrorizada pelas tragédias do cotidiano.
Mas vamos aos fatos. Dona Luíza estava colocando o lixo para fora. Era dia de passar o caminhão, e ela se atrasou, atenta à novela e depois ao filme que passava na TV, que prendeu sua atenção e fez esquecer do compromisso. Mas como o caminhão de lixo sempre passa de madrugada em sua rua, um bairro tradicional de uma cidade do interior paulista, ela se aventurou a sair à rua após a meia-noite para desfazer-se do lixo recolhido dia sim, dia não pela empresa contratada da prefeitura. "Antes tivesse ficado dentro de casa", comenta, meio que arrependida de ter saído à rua naquele momento, meio que aliviada por ter descoberto em tempo que o perigo rondava sua residência.
O bairro, antigo, arborizado com grandes e velhos espécimes mais parecia um bosque, ficava escuro demais e as ruas, depois que os alunos do período noturno saíam, lá pelas onze e tantas, ficavam desertas de gente e povoadas apenas de criaturas da noite, dentre elas os morcegos que vez ou outra entravam pelas janelas e portas que Dona Luíza esquecia abertas. Mas não teve nada a ver com um conto de vampiro o que aconteceu naquela noite de inverno.
Lá estava dona Luíza correndo com o saco de lixo para colocar na lixeira, à calçada, quando ouviu o barulho no portão que deixara aberto. Um arrepio súbito passou pelo corpo. O medo dominou suas emoções. Olhou para trás e a única coisa que viu foi um vulto passando pelo portão que ficou entreaberto. E agora? O que faria? Sairia pela rua aos gritos, chamaria a polícia, os vizinhos?
Pensou que fosse algum bandido. Tinha um cabo de vassoura sempre à mão. Com ele foi até mais perto do portão. Ouvia o bater do próprio coração. Suava. Os olhos estavam esbugalhados. Cada pelo e cabelo do corpo arrepiado. Uma certa dificuldade em respirar. Ainda a dúvida se abandonava a casa e saía em disparada pela rua. Mas e se o invasor estivesse à espreita e saísse correndo atrás? De que adiantaria ser valente e enfrentar o invasor? De que adiantaria tentar a fuga e ser pega ainda na calçada?
Antes que resolvesse o que fazer o mistério se revelou. Enorme e peludo o monstro se colocou a sua frente. Dona Luíza estava de cara com o temido lobisomem. Ela que, graduada em universidade pública, nunca tinha dado importância às histórias dos antepassados, via-se agora cara a cara com o monstro. Tudo que se lembra foi de um golpe que quebrou algumas costelas e mais nada.
Acordou minutos após a chegada da ambulância. Ouvia tudo meio que à distância. Os latidos dos cachorros, alguns uivando. Via as luzes da ambulância e das viaturas. Não se lembrava muito bem do que tinha acontecido. Sentia uma dor violenta na parte inferior do peito. Pode notar também os vizinhos segurando as crianças nos portões e muita gente em volta. Aos poucos a memória foi voltando. E o pavor com ela. Começou a gritar como se ainda estivesse de frente para a criatura. A policial e as enfermeiras tentavam acalmá-la. Olhou para o corpo e constatou o sangue que corria pelo vestido azul.
"Nunca tive medo de nada. Nem de bandido, nem de polícia. Sempre gostei de fazer trabalhos escolares no mês de agosto. A gente misturava saci com lobisomem, pintava o sete e tirava aquelas notas boas com nossos estudos sobre folclore. Hoje tenho que me adaptar a esta triste realidade que me acompanha e me acompanhará por não sei quanto tempo. Tenho medo do que posso fazer. Então confio a uma pessoa de minha família que me tranque neste quarto que mais parece um cofre, todas as noites de quinta para sexta-feira, quando a lua é cheia. Sempre pensei que a ciência mandava mais que a religião. Hoje, não há remédio e por mais que eu ore, não consigo me livrar desta triste sina que me acompanha".
Continua.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagens populares